segunda-feira, 30 de março de 2009

Trabalhando com a historiografia

HISTÓRIA DE PERNAMBUCO II
Isabel Cristina Martins Guillen

Avaliação I – Trabalhando com a historiografia pernambucana.

1. Escolher um autor e uma obra significativa para seu tema de pesquisa. Fornecer ao leitor dados mínimos sobre o projeto de pesquisa/ tema escolhido.
2. Traçar o perfil biográfico desse autor, principais obras publicadas, instituições onde atuou profissionalmente, relacionamentos ou filiações intelectuais estabelecidas ao longo da vida, etc... Dados suficientes para situar o autor, sua obra e o contexto historiográfico.
3. Situar a obra escolhida
3.1 – Importância da obra para o tema de pesquisa proposto;
3.2 – Importância da obra no conjunto da produção do autor
3.3 – Apresentar ao leitor uma resenha da obra
3.4 – Discutir a obra no contexto historiográfico – tanto o contexto historiográfico geral (teórico-metodológico) quanto pernambucano.
4. Conclusão: estabelecer uma discussão relacionando a obra, autor, tema de pesquisa e contexto historiográfico.

BIBLIOGRAFIA SUGERIDA

SILVA, Rogerio Forastieri da. História da Historiografia.Bauru, EDUSC, 2001.
GOMES, Angela de Castro. História e Historiadores. Rio de Janeiro, FGV, 1996
FREITAS, Marcos Cesar de (org.). Historiografia brasileira em perspectiva.São Paulo, Contexto,2000.
MORAES, José Geraldo Vinci de; REGO, José Márcio. Conversas com historiadores brasileiros. Rio de Janeiro, Ed. 34, 2002.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Micro-história e usos da biografia

O curso tem como objetivo discutir as imbricações epistemológicas entre a micro-história e o fazer biográfico, bem como as questões de método que têm trazido para o ofício do historiador. Pretende-se discutir as estratégias de pesquisa utilizadas e suas interfaces com a narrativa.

Bibliografia


BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. in: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas, 2001.
BURKE, Peter. A história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa in: A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo, Unesp, 1992.
CERTEAU, Michel de A escrita da história. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1982
DAVIS, Natalie Antropology and History in the 1980s Journal of Interdisciplinary History XII:2, 1981, pág. 267-275.
DAVIS, Natalie Z. “On the Lame” The American Historical Review, vol. 93, n. 03, june 1988
DAVIS, Natalie Zemon. Culturas do povo. Sociedade e cultura no início da França moderna. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990.
DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo, Companhia das Letras, 2001.
DAVIS, Natalie Zemon. Nas margens. Três mulheres do século XVII. São Paulo, Companhia das Letras, 1997.
DAVIS, Natalie Zemon. O retorno de Martin Guerre. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987
DESAN, Suzanne. Massas, comunidade e ritual na obra de E. P, Thompson e Natalie Davis in: HUNT, Lynn A nova história cultural. São Paulo, Martins Fontes, 1992.
DOSSE, François. Le pari biographique. Ecrire une vie. Paris, La Decouverte, 2005.
FINLAY, Robert. The refashioning of Martin Guerre The American Historical Review, vol. 93, n. 03, june 1988
FURTADO, Junia Ferreira. Chica da Silva e o contratador de diamantes. O outro lado do mito. São Paulo, Cia das Letras, 2003.
GINZBURG, Carlo A micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro, Difel, 1989 (artigos: O nome e o como. Troca desigual e mercado historiográfico; Provas e possibilidades à margem de ‘Il ritorno de Martin Guerre’ de Natalie Zemon Davis; O inquisidor como antropólogo: uma analogia e as suas implicações; Exprasis e citação).
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais. Morfologia e história. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo, Companhia das Letras,
GINZBURG, Carlo. Os andarilhos do bem. Feitiçarias e cultos agrários nos séculos XVI e XVII. São Paulo, Companhia das Letras, 1988.
GINZBURG, Carlo.História e cultura: conversa com Carlo Ginzburg. Estudos Históricos, n. 06, 1990, pág. 255-256.
GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros. Verdadeiro, falso, fictício. São Paulo, Companhia das Letras, 2007. (Artigos: Unus testis; Micro-história: duas ou três coisas que sei a respeito; O inquisidor como antropólogo; Provas e possibilidades)
GOMES, Plínio Freire. Um herege vai ao paraíso.Cosmologia de um ex-colono condenado pela Inquisição (1680-1744). São Paulo, Companhia das Letras, 1997.
HOBSBAWN, Eric. O ressurgimento da narrativa na teoria contemporânea da História. RH. Revista de História, Campinas, n. 02, pág. 39-46, 1991.
LACAPRA, Dominick. História e Romance. RH. Revista de História, Campinas, n. 02, pág. 107-124, 1991.
LEVI, Giovanni A herança imaterial. Trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000.
LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história in: BURKE, Peter (org.). A escrita da História. Novas perspectivas. São Paulo Ed. UNESP, 1992.
LEVI, Giovanni. Usos da biografia in: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas, 2001.
LIMA, Henrique Espada. A micro-história italiana. Escala, indícios e singularidades. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2006.
LIMA, Henrique Espada. Narrar, pensar o detalhe: à margem de um projeto de Carlo Ginzburg. ArtCultura. Revista de História, Cultura e Arte. V. 9, n. 15, jul-dez 2007, p. 99-111.
LORIGA, Sabina. A biografia como problema. In: REVEL, J. Jogos de escalas. A experiência da microanálise. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1998.
REIS, João José. Domingos Sodré: um sacerdote africano. Escravidão, liberdade e candomblé na Bahia do século XIX. São Paulo, Cia das Letras, 2008.
REVEL, Jacques. Jogos de Escala. A experiência da microanálise. Rio de Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1998
SHARPE, Jim A história vista de baixo in: BURKE, Peter (org.). A escrita da História. Novas perspectivas. São Paulo Ed. UNESP, 1992.
SILVA, Eduardo. Dom Oba II D’África, o príncipe do povo. Vida, tempo e pensamento de um homem livre de cor. São Paulo, Companhia das Letras, 1997.
SILVA, Eduardo. Dom Oba II D’África, o príncipe do povo. Vida, tempo e pensamento de um homem livre de cor. São Paulo, Companhia das Letras, 1997.
STONE, Lawrnce. O ressurgimento da narrativa. Reflexões sobre uma velha história. RH. Revista de História, Campinas, n. 02, pág.13-37, 1991.
VAINFAS, Ronaldo Micro-história. Os protagonistas anônimos da história. Rio de Janeiro, Campus, 2002.
WHITE, Hayden. A questão da narrativa na teoria contemporânea da história. RH. Revista de História, Campinas, n. 02, pág. 47-89, 1991.
A invenção do Nordeste
por Isabel Guillen

A Fundação Joaquim Nabuco, através de sua editora Massangana, e em parceria com a editora Cortez, de São Paulo, trazem para o público leitor um trabalho de fundamental importância para os estudos históricos, e que até o presente estava restrito ao meio universitário. Trata-se da tese de doutorado de Durval Munis de Albuquerque Jr., A Invenção do Nordeste e outras artes, vencedora do concurso Nelson Chaves de teses sobre o Nordeste Brasileiro de 1996, instituído pela fundação, há mais de uma década. Chega às livrarias para tornar-se presença obrigatória em toda biblioteca de estudos sobre o Nordeste.

Depois de percorrer as mais de trezentas páginas somos tomados pela perplexidade, pois torna-se cada vez mais óbvio que o Nordeste é uma tradição inventada, no sentido posto pelo historiador inglês Eric Hobsbawn. Como ninguém antes tinha pensado nisso? É aí que entra o traço do trabalho do historiador, mostrando como as tradições têm histórias que para se constituírem enquanto tais, devem ter sua historicidade apagada.

Em seu trabalho de historiador, Durval nos conduz pelos caminhos e meandros dessa invenção, que é sobretudo discursiva, mostrando que o Nordeste não é uma entidade natural que sempre existiu, que houve um momento em que determinadas condições de possibilidade propiciaram o seu agenciamento. Explorando teoricamente os trabalhos de Foucault e Deleuze, Durval demonstra que o Nordeste é uma visibilidade e uma dizibilidade (condição de possibilidade de enunciação) sempre resposta, em permanente construção, o que vem reforçar o argumento de sua historicidade, já que não se pode tomar a região como portadora de uma essência e tampouco como um dado natural inscrito no espaço geográfico.

Tendo como ponto de partida a década de 20, e a emergência de um discurso regionalista de novo tipo, e construindo uma série documental formada pela obra de Gilberto Freyre, base da invenção do Nordeste, passando pelos romances regionalistas da década de trinta, pela música de Luiz Gonzaga, pelas paisagens de Cícero Dias e Vicente do Rego Monteiro, pelo teatro de Ariano Suassuna, pelos filmes de Glauber Rocha, pelos romances de Jorge Amado, o trabalho vai ao longo de suas páginas consolidando o argumento de que o Nordeste é uma produção imagético-discursiva, filho da modernidade, mas filho reacionário, gestado para “conter o processo de desterritorialização por que passavam os grupos sociais desta área, provocada pela subordinação a uma outra área do país que se modernizava rapidamente: o Sul.”

Mas a paternidade do Nordeste não pode ser atribuída com exclusividade ao Sul, e este é um dos maiores méritos do trabalho de Durval: mostrar que “o preconceito em relação ao Nordeste e ao nordestino nasceram de uma dada visibilidade e dizibilidade da região, que não foi gestada apenas fora dela, mas por seus próprios discursos e reproduzida por seu próprio povo.” Foram os intelectuais acima apontados os pais desse Nordeste, engenho de fogo morto, sinhozinhos herdeiros da decadência do açúcar, elite anti-moderna. Nordeste assolado pelas secas, terra gretada, empobrecida, percorrida por beatos e fanáticos, consumida pela violência de cangaço e do coronelismo.

O Nordeste viria a ser a cristalização de uma série de esterótipos (seca, sertão, coronel, beato, cordel, cangaceiro, migrante, civilização do açúcar, engenho, folclore, cultura popular) subjetivados numa “identidade nordestina”, um modo de ser vitimizado diante da modernidade que assolava o país a partir dos anos 30. Durval nos mostra como ao longo dessas décadas o Nordeste foi se configurando a partir de um saber gestado aqui mesmo como uma maquinaria anti-moderna. Saber que justificava as posturas das elites regionais das relações capitalistas de “novo tipo” que emergiam no país, saber que alimentou a indústria da seca, os empréstimos às usinas ineficientes, etc.

Sem deixar de utilizar uma linguagem literária e poética, o autor contribui por dessacralizar as “difíceis” teses acadêmicas. Durval vira pelo avesso a engenharia discursiva que inventa o Nordeste, mostrando os pontos e nós das tramas que criam uma dada nordestinidade. Mas vai muito mais além, espraiando-se por terrenos não meramente acadêmicos. Quando afirma que o discurso regionalista se “transforma em maquinarias de captura do novo”, respondo ad nausean a imagem do Nordeste como região carente, o autor detém-se para corajosamente colocar que os discursos que inventaram o Nordeste como anti-moderno são os mesmos que nos apresentam como vítimas diante da História, como se a culpa por nosso atraso fosse sempre dos outros, não nossa, enquanto vencedores ou vencidos. “São discursos presos a essa lógica da vitimização, da culpa sendo posta sempre no outro, criando um eu descomprometido com sua própria condição.”

Essa é a condição para a emergência de um outro saber que invente outros Nordestes, longe das clausuras que nos delimitam, das continuidades identitárias, das fronteiras regionais, questionando-as, colocando em xeque a existência das regiões, dissolvendo tanto o Nordeste quanto o Sul, dando lugar a novas espacialidades de perder e de saber.

* Isabel Guillen é doutora em História pela Unicamp

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Jornal do Commercio
Recife - 04.09.2000
Segunda-feira
Espoliação e resistência
A Ferida de Narciso - Ensaio de História Regional
Evaldo Cabral de Mello

Folha de São Paulo, sábado, 13 de outubro de 2001

MARCUS J.M. DE CARVALHO

Todo leitor é um chato. Borges dizia isso de uma maneira mais sofisticada, ao lembrar que o leitor pode exigir o que quiser de um texto. É como se um livro, depois de publicado, deixasse de ser do autor, pois qualquer um pode dispor de suas idéias como bem entender. É por isso que exigimos tanto de autores reconhecidos. Evaldo dispensa até sobrenome entre os que gostam de história, esse ramo rigoroso do conhecimento que tem um objeto tão fugidio -o homem no tempo- que termina criando um encontro entre a ciência, a filosofia e a arte. É quase fatal, portanto, que todo grande historiador também seja um grande escritor.
Neste ensaio enxuto, erudito e apaixonado, Evaldo mergulha na questão do regionalismo, trazendo algumas idéias originais e outras nem tanto, mas que estavam dispersas em sua extensa obra historiográfica. O Pernambuco enfocado não é o atual Estado, mas a antiga capitania e suas anexas, que hoje chamamos de Nordeste. Esse Pernambuco é tratado com um carinho quase antropomórfico pelo autor, que lhe imputa vontades e frustrações. Sem diatribes nem conformismo, é abordado o surgimento do regionalismo, como uma resposta a um longo processo que criou e manteve assimetrias que fincaram suas raízes mais profundas no século 19, quando o Nordeste pagou o preço da unidade nacional. Depois de sintetizar uma massa de evidências, a maioria das quais bastante conhecidas, conclui:
"O Império promoveu assim uma transferência maciça de recursos governamentais do norte para o centro-sul, num processo de espoliação fiscal aparentado às situações coloniais de tipo clássico".
Isso já foi dito por gente ligada à Cepal e até por brasilianistas. Mas o forte de Evaldo é a sua capacidade de articular processos econômicos não apenas com a política e seu complexo terreno discursivo, mas também com idéias e mentalidades. A "espoliação" das chamadas "províncias do Norte" não ocorreu sem resistência. A derrota de propostas autonomistas recorrentes terminou por sentimentalizar o federalismo, que em outras circunstâncias poderia ter sido uma mera opção administrativa de uma imensa nação, cujos governos foram sempre tendencialmente centralizantes e autoritários. A vitória do governo central foi militar. Para punir adversários e recompensar aliados, o todo que formava Pernambuco colonial terminou sofrendo divisões. O regionalismo, para Evaldo, é também uma resposta à "fragmentação arbitrariamente administrativa de um conjunto".

O nascimento da capitania
Para quem deseja uma síntese da construção da nação, "A Ferida de Narciso" também não desaponta.
Os primeiros dois capítulos delineiam o nascimento da capitania de Pernambuco, cuja autonomia incomodava o Governo Geral. Foi logo no começo também que se estabeleceram as diferenças entre os lavradores e os senhores de engenho, entre o meio urbano e o rural, entre a zona da mata sul e a do norte. Fica claro ainda que Gilberto Freyre exagerou a adaptabilidade do português e a intensidade do Brasil que havia dentro do Brasil quinhentista. A Nova Lusitânia era apenas o que o próprio nome sugere, um projeto de um "outro Portugal", como disse o poeta.
Para Evaldo, é um anacronismo estéril assentar os pródromos da consciência nacional na Restauração Pernambucana de 1654. A maior ironia do antilusitanismo oitocentista, que jogava contra os portugueses o exemplo holandês como o modelo de colonização ideal, é que os seus avós expulsaram os batavos precisamente por se sentirem profundamente lusitanos.
Mestre em discorrer sobre as intrigas intra-elites, Evaldo retoma temas tratados em outros livros seus. Tendo reconquistado a capitania com recursos próprios, os luso-brasileiros pensavam ter estabelecido um novo pacto com Portugal. Mas as recompensas pela Restauração foram pífias, causando enorme desapontamento, personificado em Fernandes Vieira que nunca teve a honra de governar a capitania pela qual tanto se bateu.
Pernambuco perdeu ainda a autonomia que tivera antes da guerra, sem auferir nenhuma das vantagens das capitanias régias. O autonomismo sobreviveu como uma idéia de um passado quase mítico que deveria ser recuperado. Gestado nos claustros como uma resposta ao invasor herege, o nativismo terminaria transbordando para as cidades na época da Independência. O ressentimento nativista iria impregnar as relações com Portugal, depois com o Império.
O império centralista e autoritário só agravaria os ressentimentos, ao promover a sangria das "províncias do Norte". Confirmando algumas teses também defendidas pela historiografia recente, Evaldo argumenta que a Insurreição Pernambucana de 1817 foi contra Portugal tanto quanto foi contra o Rio de Janeiro. No cerne de 1817 e da Confederação do Equador, em 1824, estavam o constitucionalismo e o autonomismo, que terminou se manifestando de forma republicana, devido às circunstâncias políticas de um país monárquico e autoritário, sob o comando exclusivo das províncias do centro-sul.
O teste decisivo do autonomismo foi a junta presidida por Gervásio Pires Ferreira, que tentou manter uma certa autonomia tanto em relação ao Rio de Janeiro quanto a Portugal, em 1821-22, mas terminou derrubado por um golpe tramado a partir do Rio de Janeiro, com o apoio do exército estacionado em Pernambuco.
No último capítulo -sob o sugestivo título "Tristeza do Império"-, Evaldo segue os liberais oitocentistas para quem a monarquia autoritária e centralista não era um mal necessário.
Havia alternativas. A identificação das propostas autonomistas com o separatismo e o republicanismo foi mais uma resposta ao centralismo da corte do que algo inerente ao federalismo e ao constitucionalismo liberal.
Livro bom é assim: não só explica como instiga. E nada mais estimulante do que a constatação de que poderíamos ter sido diferentes.
Este ensaio contribui efetivamente para a historiografia recente que tem detalhado a construção da unidade imperial, sustentada num frágil equilíbrio entre força e consenso. Estudos sobre as insurreições liberais do Nordeste na primeira metade do século 19 sustentam que as propostas centralizantes e autoritárias da Corte tiveram adeptos nas próprias províncias que viriam a ser prejudicadas pelo modelo vencedor. É muito difícil a dominação sem alianças ou sem ao menos uma nesga de consentimento do subordinado, como há muito ensinou Antonio Gramsci. Os Cavalcanti de Pernambuco, por exemplo -que posavam de autonomistas na corte-, ficaram do lado da Coroa durante os movimentos liberais de 1824 e 1848. Entre a retórica e a prática das elites havia distâncias intransponíveis. Mas este ensaio de Evaldo, embora deixe claro que as elites locais nunca foram unívocas, dá a impressão de ter havido um maior consenso interno entre os pernambucanos do que deixa transparecer a historiografia recente.
"A Ferida de Narciso" é um ensaio envolvente. Digo mais, necessário, pois retoma um assunto sobre o qual há quem pense que não existe o que dizer de novo. Mas o leitor, chato por definição, pode ficar ávido por mais do que talvez seja possível caber em cento e poucas páginas. Por exemplo, a analogia com o presente, que Evaldo evita, é irresistível. O livro argumenta que a Conciliação da segunda metade do 19 integrou as influências regionais, mas somente no âmbito clientelístico, não no tocante à representação dos interesses econômicos.
Talvez possamos dizer o mesmo sobre o período posterior até os dias de hoje, quando os "representantes" das províncias da periferia continuam representando apenas seus interesses clientelísticos mesquinhos e localistas, nunca ou raramente os interesses regionais mais amplos. O maior problema dos modelos excludentes nem sempre é o seu funcionamento, que pode até sofrer oposição, mas a imensa capacidade de se reproduzirem, perpetuando o que poderia ter sido diferente.
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Marcus J.M. de Carvalho é professor de história na Universidade Federal de Pernambuco.

quinta-feira, 5 de março de 2009

HISTÓRIA DE PERNAMBUCO II
1 Semestre de 2009

Política e sentimento

MELLO, Evaldo Cabral de. A ferida de Narciso. Ensaio de História Regional. São Paulo, SENAC, 2001. P.69-112
ALBUQUERQUE JR. Durval Munis. A invenção do Nordeste. São Paulo, Cortez, 2001, p. 19-182.

Política e historiografia

MARSON, Izabel A. Memória e Política: a Revolução Praieira e suas fontes. Idéias, Revista do IFCH – Unicamp, ano 05, n. 01, jan-jun 1998, pág. 75-129
ARRAIS, Raimundo. O pântano e o riacho. A formação do espaço público no Recife do século XIX. São Paulo, HUCITEC, 2004, p.21-96.

Cidade e cultura

ARRAIS, Raimundo. Recife, culturas e confrontos. Natal, EDUFRN, 1998
ARRAIS, Raimundo. A capital da saudade. Recife, Bagaço, 2006.